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Mulheres na Agricultura: Alines da vida real encontram apoio no coop

Viúva do dia para noite, ainda em estado de choque, a personagem Aline, interpretada pela atriz Bárbara Reis, procura a cooperativa agropecuária da cidade em busca de apoio. Assim como outras mulheres na agricultura, sua intenção era dar continuidade ao trabalho da família. “Quero plantar, colher, quero progredir. Agora que assumi as terras, quero entrar para a cooperativa”, diz a personagem em um dos primeiros capítulos da novela Terra e Paixão, da TV Globo.

Apesar de ser uma obra de ficção, a semelhança com a realidade não é mera coincidência. Assim como a mocinha de Terra e Paixão, Maria José Borges viu o marido morrer na sua frente, de forma inesperada.

“Fiquei viúva de supetão. Meu marido era um homem saudável. Estava trabalhando junto com a gente na lavoura, paramos para almoçar, ele se sentiu mal e morreu ali mesmo. Deixou a marmita, a enxada, tudo lá no meio da lavoura”, recorda a produtora rural, que vive na zona rural de Poço Fundo, em Minas Gerais.

Aos 60 anos, sozinha e com duas filhas, Maria José teve que assumir a produção de café da família, ao mesmo tempo em que atravessava o luto pela perda do companheiro com que passou 35 anos da vida.

“Foi muito difícil, só eu sei o que passei”, relembra. “Uma das minhas filhas estava doente, então eu não sabia se me mexia para acudir as coisas que não podia deixar de fazer, como a lavoura e tudo mais, ou se cuidava dela. Me senti muito frágil, muito deprimida, mas eu sempre pensava ‘eu vou vencer’.”

Na hora em que mais precisou, tal como a mocinha de Terra e Paixão, Maria José também buscou apoio em uma cooperativa. Mais especificamente na Cooperativa de Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (Coopfam).

“Eu não queria voltar ao trabalho. Por mim, abandonava tudo. As mulheres da cooperativa foram a minha força, fizeram tudo por mim. Elas diziam: ‘se você não vier, vamos te buscar na sua casa’. E da minha casa à sede da cooperativa são 22 quilômetros, com estrada de terra, porque vivo na zona rural. Isso é união, valor de grupo”, recorda.

Apenas um mês depois da morte do marido, no começo de 2009, Maria José teve de enfrentar outra situação inesperada, que a fez entrar para história da cooperativa. Durante a Assembleia Geral da Coopfam — momento em que os cooperados decidem os rumos da cooperativa por meio de votação democrática —, ela foi informada que teria que votar no lugar do marido. Afinal, agora era a responsável pela produção da família.

“Eu não gosto nem de lembrar da dor, do desespero e da tristeza que eu senti. Eu olhava aquela fila enorme de homens e me sentia sozinha. Chorei o tempo inteiro, enquanto estava na fila para votar”, conta. Foi então que, novamente, as mulheres da cooperativa se uniram para apoiar a amiga.

“Elas entraram pela porta e foram me abraçar. Fomos juntas na fila, de mãos dadas, até a urna, para eu votar”, recorda, emocionada.

CAFÉ EXPORTAÇÃO

Com o apoio das cooperadas da Coopfam, Maria José aos poucos retomou as atividades na lavoura. Primeiro, ela contratou trabalhadores. Depois, decidiu se unir a dois primos para seguir adiante com a produção — parecido com a Aline, de Terra e Paixão.

“Eu sempre trabalhei com meu marido, então sabia um pouco do que precisava fazer na lavoura. A gente comunicava tudo ao outro, sobre o que estava fazendo, o que estava gastando, comprando, pagando. Então eu já tinha conhecimento sobre o nosso trabalho”, explica.

Conforme os anos passavam, Maria José foi se destacando na produção de café. E para retribuir o apoio recebido das mulheres da Coopfam,  começou a estimular outras cooperadas e esposas de cooperados a conhecer mais sobre a produção e o trabalho de suas famílias. “Sempre falava para elas nas reuniões: procurem saber do trabalho do marido, dos negócios, da vida, saber como tudo funciona. Tinha amigas que não sabiam ir ao banco, nem o que a gente colocava no café”.

A representatividade conquistada, ainda que a contragosto, levou a produtora a se engajar ainda mais no grupo de mulheres da cooperativa — uma mobilização que rendeu frutos para Maria José e as demais cooperadas. Basta dizer que, em 2016, Vânia Lúcia Silva foi a primeira mulher a assumir um cargo na diretoria da Coopfam. Dois anos depois, ela foi eleita presidente da cooperativa — função que exerce até hoje.

A mobilização de mulheres da cooperativa também rendeu uma marca registrada: o Café Feminino, que busca valorizar o grão produzido pelas mulheres cooperadas na agricultura. Com notas de chocolate, leite e mel, a iguaria é uma preciosidade, vendida quase em sua totalidade para os Estados Unidos. 

“Um dia um sobrinho me perguntou assim: ‘como vocês fazem para exportar café se vocês viveram na roça a vida inteira, não tiveram a oportunidade nem de estudar direito?’. Eu respondi: nós só sabemos produzir um bom café, mas os nossos companheiros cooperados sabem vender o nosso bom café. Isso é cooperativismo”, resume Maria José — uma Aline da vida real.

RAINHA DA SOJA

Em Floraí, no interior do Paraná, encontramos outra história parecida com a da novela Terra e Paixão. Quando ficou viúva, aos 52 anos, Cecília Falavigna era professora e cuidava dos filhos, enquanto o marido se dedicava à produção de café.

“Quando meu marido morreu de câncer, muita gente falou ‘vende, arrenda, cria gado’. Mesmo sem entender nada de roça, decidi não fazer nada disso e estou aqui, até hoje”, contou a paranaense em entrevista à Revista Saber Cooperar.

Uma mulher na agricultura, sem experiência nem conhecimento sobre os negócios da família, Cecília fez o mesmo que a protagonista da novela: procurou uma cooperativa, no caso, a Cocamar Cooperativa Agroindustrial — da qual se tornaria conselheira e diretora anos depois.

“Eu disse para a cooperativa: estou aqui, preciso do apoio de vocês. Eu preciso de apoio para poder tocar os negócios da família. Foi aí que comecei. Não tinha noção de quantidade, mas a cooperativa me orientou sobre os alqueires, quanto eu precisava de adubo e de fertilizantes. Esta parte técnica toda ficou por conta da cooperativa”, relembra.

Com muito trabalho, dedicação e horas de estudo sobre tecnologias, mercado e novidades do setor agrícola, Cecília decidiu apostar na diversificação do cultivo e passou a plantar milho, soja e laranja nas propriedades da família.

A ousadia da cooperada paranaense rendeu frutos. Suas duas fazendas, Santa Ana e Esperança, são referência em produtividade, rendendo vários prêmios a Cecília, como o tricampeonato no concurso de máximo rendimento na produção de soja, promovido pela Cocamar. Além do reconhecimento da cooperativa, Cecília recebeu outros prêmios por produtividade, até ficar conhecida como “Rainha da Soja” — título concedido após ela ganhar a premiação de uma multinacional que avaliou a safra de grãos em 2015/2016.

Satisfeita com o muito que realizou, essa “Aline da vida real”  vem reduzindo o ritmo de trabalho aos poucos. Agora, ela planeja a sucessão da propriedade, e sonha que o filho assuma os negócios. Até lá — tal como a personagem da novela —, ela fica de olho nas terras. Afinal, nunca se sabe quais riquezas ela pode esconder.

Fonte:SomosCoop