Todos os dias, às 4h30, quando se levanta para cuidar da vida e de seus canteiros de couve, abobrinha, rabanete, alho-poró, mandioca e salsinha, a agricultora Adelorice Freitas Martins, de 48 anos, cultiva também a esperança de sucesso de um projeto do qual está participando.
“É um sonho para a vida toda”, ela resume, ao falar com gosto da Cooanorte, uma cooperativa que está nascendo no noroeste do Paraná, unindo, inicialmente, 141 pequenos produtores rurais de 11 municípios da região. Um deles é Tuneiras do Oeste. Adelorice cultiva, com certificação orgânica, pouco mais de 2 hectares de terras cedidos pela família proprietária da fazenda.
Ela mora no local com o filho e o marido. A lavoura vai bem, mas nem sempre é fácil comercializar toda a produção. Daí a importância da cooperativa, para que Adelorice e seus colegas possam participar dos programas federais e estaduais de compra de alimentos para atender a escolas e outras entidades, além de vender aos supermercados.
Os cooperados da nascente Cooanorte unem-se a 18,8 milhões de brasileiros que são associados a alguma cooperativa, de acordo com dados da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB). Somente no ramo agropecuário, são mais de 1 milhão de produtores rurais cooperados em 1.170 cooperativas. Considerando apenas as 896 cooperativas do agronegócio registradas no Sistema OCB, as entradas financeiras de 2021 foram de R$ 358,4 bilhões. um impressionante crescimento de 33% na comparação com 2020.
“Estamos começando a nossa cooperativa, com muita vontade, amor pelo que fazemos e diversos sonhos. Sabemos que venceremos, com trabalho e empenho. Quando vemos números tão grandes proporcionados pelo cooperativismo no Brasil, ficamos esperançosos de um dia sermos grandes”, relata Adelorice, que já está eleita vice-presidente da Cooanorte.
Cooanorte é a sigla da Cooperativa de Agricultores Familiares dos Municípios da Amenorte. Já Amenorte é a Associação dos Municípios do Médio Noroeste do Estado do Paraná, entidade que apoia a criação da cooperativa, servindo de amálgama para os produtores de seus 11 municípios.
“Assim, a Cooanorte nasce mais forte, com união em vez de concorrência”, ressalta o engenheiro florestal Sidney Valeriano, extensionista do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-PR). Ele é um dos responsáveis pelo apoio aos agricultores em todo o processo de formalização, desde agosto de 2021, quando começaram as reuniões para tratar do assunto. Depois, cadastraram interessados, realizaram outros encontros para formular estatutos, montaram oficinas com grupos de trabalhos e chegaram aos 54 sócios-fundadores.
Em agosto deste ano, elegeram a diretoria e os conselheiros fiscais, cumprindo todos os trâmites burocráticos e legais para que os 141 que já se cadastraram, dos quais 30% são mulheres, tornem-se efetivamente cooperados.
“Já entregamos a ata da assembleia e o estatuto, assinados, ao contador para que providencie, com a Junta Comercial do Paraná, o nosso CNPJ”, informou Valeriano quando esta reportagem já estava sendo redigida. As secretarias de Agricultura também estão apoiando a criação da cooperativa. A prefeitura de Cianorte cederá um prédio para o início das atividades.
Escolhido pelos colegas para ser o primeiro presidente da Cooanorte, Reinaldo de Souza Chaves, de 52 anos, “agricultor desde que nasceu”, trabalha com a esposa, Adriana, e os filhos, Maria Clara e Felipe, em duas áreas que somam menos de 5 hectares, em Cianorte. Cultivam palmito, maracujá, banana, mandioca e batata-doce e mantêm uma indústria de panificados, fabricando pães, salgados e envasando polpas de frutas.
“Nós já temos uma associação, que reúne 80 famílias da feira do produtor, mas a cooperativa sempre foi um sonho. Hoje, muitos dos alimentos adquiridos pelos órgãos públicos do nosso município vêm de longe, porque não temos a formalização e a organização necessária para sermos fornecedores, apesar de produzirmos bastante. Agora, isso vai mudar. Vamos crescer juntos”, destaca o presidente da Cooanorte.
Durante os 15 anos que trabalhou como motorista profissional no interior de São Paulo, Valdir Rodrigues dos Santos, de 46 anos, pensava todos os dias em voltar a ser agricultor no noroeste do Paraná, onde estavam as suas raízes. Há oito anos, conseguiu comprar uma área de 12 hectares de pastagens, na qual plantou 1,8 mil pés de goiaba, 200 pés de maçã e 200 pés de pêssego.
Está feliz com as suas frutas, que considera de primeira qualidade, mas falta tempo para cuidar da parte comercial, abrir mercados. “Nisso a cooperativa vai ser importante. Não conseguimos conciliar as vendas com o serviço da roça”, comenta.
A Amenorte contratou um engenheiro agrônomo, que já trabalha fazendo estudos sobre o mercado regional e orientando os futuros cooperados da Cooanorte. A quota-capital para se tornar cooperado será de R$ 300, divididos em três vezes de R$ 100, o impulso inicial para pagar as primeiras contas. “Em seguida, é acreditar no sonho. É só prosperidade”, finaliza, em tom de profecia, o fruticultor Valdir.
Meta ousada
A mais antiga cooperativa em atividade no país foi fundada em 1902, pelo padre suíço Theodor Amstad. É a atual Sicredi Pioneira, sediada em Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul.
Passados 120 anos, o cooperativismo de crédito está em todo o Brasil. Somente a sistema Sicredi tem 2,3 mil agências, 6 milhões de associados e mais de 35 mil colaboradores, distribuídos em mais de 100 cooperativas.
O presidente da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), Márcio Lopes de Freitas, conta que a meta recentemente lançada em desafio para todos os cooperativistas é chegar a R$ 1 trilhão de faturamento e 30 milhões de cooperados em 2027.
“A meta estabelecida pode ser ousada, mas totalmente plausível. Ela faz parte da nossa trajetória, já que, em 2021, as cooperativas movimentaram quase R$ 525 bilhões. Temos projeções, inclusive, de que poderíamos chegar a essa meta antes desse prazo”, explica o presidente da OCB.
Energia que deu frutos
A Copacol surgiu de uma pequena hidrelétrica. Hoje tem 7 mil cooperados e fatura R$ 9 bilhões.
Em 1963, o atual município de Cafelândia, no oeste do Paraná, não passava de um vilarejo com poucos moradores. Enviado para trabalhar na paróquia local, o padre Luís Luise (1913-1987), italiano da região de Veneza, inconformado com a falta de energia elétrica, reuniu 32 agricultores, em sistema de cooperativa, para instalar uma pequena usina hidrelétrica no Rio Jesuítas.
Parecia loucura, mas o padre estava entusiasmado, e os pequenos produtores rurais abraçaram a ideia. Surgia a Copacol (Cooperativa Agroindustrial Consolata), tendo o próprio padre Luís como primeiro presidente.
A usina começou a produzir energia em 1964, facilitando a vida de toda a comunidade, até a estatal Companhia Paranaense de Energia (Copel) assumir o serviço, em 1969, quando a Copacol passou a focar na produção agrícola de seus cooperados.
Cinquenta e nove anos depois, os equipamentos da antiga usina hidrelétrica viraram monumento na sede, em Cafelândia, a relembrar a todos que passam por ali como foi o início da cooperativa, que hoje tem quase 7 mil cooperados, 16 mil colaboradores e faturou R$ 7,9 bilhões em 2021, com expectativa de fechar 2022 com R$ 9 bilhões de faturamento.
Aos 76 anos de idade, o produtor Salvino Buss se recorda das obras da hidrelétrica, quando trabalhou puxando pedras para a barragem e ajudando a levantar os postes de madeira que amparavam os fios.
“Foi um trabalho difícil, braçal, que exigiu empenho. Mas estávamos unidos. Depois, quando a Copacol passou a comercializar a nossa produção, éramos pequenos. Eu mesmo, já casado com minha esposa Maria Neli, entregava apenas algumas sacas de feijão, que plantava em 2 hectares, porém sempre acreditando na força do cooperativismo. Hoje, eu que puxei pedras mal consigo acreditar que exportamos para muitos países”, relata o pioneiro, que atualmente tem dois aviários, com capacidade de alojamento de 32 mil frangos, em sociedade com a filha, Gracieli Buss, de 40 anos, e cultiva grãos em 60 hectares, no município de Nova Aurora.
A 40 quilômetros dali, em Formosa do Oeste, encontramos o casal Elaine, de 41 anos, e Claudemir Bressan, de 52. Em uma área de menos de 4 hectares, eles fazem o que chamam de “terminação, recebendo 51 mil pintinhos com um dia de vida e entregando para a cooperativa em torno de 46 dias depois”.
Os dois fazem todo o trabalho da granja, começando às 5h30, e garantem a renda para a família, permitindo a Claudemir encerrar as atividades de construtor de casas que realizava na região. “Às vezes, até flagramos ele conversando com os pintinhos, como se fossem crianças”, entrega Taina Pinholi Bressan, de 18 anos, filha do casal e jovem aprendiz da Copacol. “A gente tem carinho pelos bichinhos”, defende-se Claudemir.
Giovana Pinholi Bressan, de 21 anos, outra filha do casal, está no último ano da faculdade de farmácia e mora na pequena propriedade com a família. Atualmente coordenadora de grupos femininos da cooperativa, Eliane se lembra de 2011, quando precisou de um mapa feito pelo marido para chegar à sede da Copacol, em Cafelândia, participando das primeiras reuniões para se tornar cooperada, enquanto ele trabalhava na construção civil.
“Tudo aconteceu muito rapidamente. Investimos nos aviários e valeu a pena. Hoje, quando passa uma carreta da Copacol, a gente fala: ‘Olha lá a nossa indústria’. É uma alegria”, destaca Eliane.
A família Bressan reflete o perfil dos associados da Copacol, pois 80% deles têm menos de 50 hectares. A avicultura respondeu, em 2021, por 58% do faturamento da cooperativa, que atualmente abate 710 mil frangos por dia, e a meta é chegar a 1 milhão por dia nos próximos quatro anos. No ano passado, foram exportadas pela Copacol 284 mil toneladas de carne de frango. Os produtos da cooperativa brasileira chegaram a 65 países.
O restante do faturamento é distribuído entre os ramos de cereais, insumos, piscicultura, nutrição animal, suinocultura, supermercados e bovinocultura de leite, uma diversificação que permite distribuir renda para cooperados com poucas terras.
Fonte: Globo Rural