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Artigo: O crescimento do cooperativismo e a humanização das relações econômicas

O cooperativismo existe para romper com a ideia de que o ser humano necessariamente deve estar a serviço do capital ou que, para ter “justiça”, deve se sujeitar aos desígnios do Estado. Essas duas situações são modelos econômicos dominantes no mundo – capitalismo e socialismo –, em relação aos quais o cooperativismo se apresenta como alternativa de organização da economia.

Apesar de ser uma alternativa, não se opõe totalmente a nenhum dos dois, já que o cooperativismo pode ser considerado um capitalismo socializado ou um socialismo capitalizado, um sistema econômico intermediário com muitas convergências e diferenças com os sistemas dominantes em mais de 150 países onde está presente.

O cooperativismo é negócio, um negócio formado por gente
e orientado para pessoas.

O capitalismo e socialismo, apesar de apresentarem variações ao longo do tempo ou serem temperados com questões culturais dos locais onde são implantados, mantêm sempre sua essência: ou o Estado vai dizer o que, como, quando e para quem algo será produzido ou o capital fará isso e os interesses nunca são humanitários.

E daí vem as distorções. No capital, a escassez planejada, acumulações anormais de riqueza entre outras mazelas; no socialismo também não é diferente, sendo afetadas as liberdades individuais de escolha e gerados desvios em razão de domínio do Estado.

O cooperativismo rompe com essa lógica pois mantém a liberdade econômica de autodeterminação humana, ao mesmo tempo que coloca a economia a serviço e no interesse do ser humano, não do Estado e nem do capital.

O cooperativismo faz isso com foco no econômico e sem rupturas, jogando o jogo do mercado, mas colocando toda cadeia produtiva centrada nas pessoas, mantendo um sistema de meritocracia não violenta dando as mesmas oportunidades e viabilizando o alcance das mesmas possibilidades para seus membros.

O caminho do cooperativismo para transformar e corrigir os desvios sociais é através do econômico, mas com base no compartilhamento dos meios de produção, cooperação entre as pessoas e fixação dos resultados em razão do trabalho, do consumo ou do fornecimento de produtos ou serviços e não no capital ou segundo desígnios estatais.

É importante que as cooperativas se mantenham fiéis aos seus princípios e valores e entendam seu “porquê essencial”, não caindo nas armadilhas do pensamento econômico dominante nas localidades onde se estabelecem. Além disso, precisam ser instrumento de realização pessoal de seus sócios, permitindo serem o seu melhor.

Aqui não estou falando de ideias distorcidas de que o cooperativismo precisa ser o ápice da caridade, exemplo de retidão franciscana e bondade humana que deve transcender a planos superiores. Isso é função das religiões e ONGse nem mesmo elas, em alguns casos, são exemplos muito bons nos últimos tempos.

O cooperativismo é negócio, um negócio formado por gente e orientado para pessoas e, sendo assim, terá reflexos de todas as imperfeições humanas, mas seus processos econômicos buscam justiça distributiva e democracia econômica e o propósito nas cooperativas é da essência e não uma escolha “unicorniana de marketing”.

Como nos ensinou Roberto Rodrigues, “sem viabilidade econômica a cooperativa não existe e sem viabilidade social a cooperativa não tem razão de existir”.

O cooperativismo permite humanizar as relações econômicas, mas não de um modo espiritual e caritativo e sim estabelecendo modos mais humanizados de atribuição dos resultados segundo o mérito pessoal de cada um. Ao fazer com que milhares de pessoas possam compartilhar riscos, recursos, contribuir com habilidades, capital e cooperar economicamente, o ser humano é elevado à condição de protagonista do processo produtivo, ou de consumo, o libertando da condição de mero elemento da cadeia produtiva a serviço do capital ou do Estado.

Cooperativas permitem que milhares de pessoas possam juntas e mantendo a propriedade sobre suas forças de trabalho, concorrer, em igualdade de condições, em mercados bilionários, em que bilionários constroem suas riquezas usando a força de trabalho de milhares de pessoas que precisam vendê-las para sobreviver.

Quando olhadas pelo que entregam, uma cooperativa e uma S.A. que produzem frango até parecem a mesma coisa da porta para fora, mas não são. Frango é frango e é vendido da mesma forma por uma grande empresa ou por uma cooperativa, mas a distribuição de riqueza produz efeitos muito diferentes nas duas formas de produzir frango.

Se tomarmos uma grande S.A. do setor como exemplo, sua finalidade é concentrar a riqueza nas mãos das poucas pessoas detentoras do capital, pessoas que nem mesmo vivem nas cidades onde o frango é produzido. Já uma cooperativa atuante no mesmo setor, caso da Aurora Coop. por exemplo, terá por finalidade a distribuição da riqueza na proporção do frango entregue na cooperativa, em razão da produção e não do capital, razão pela qual seu faturamento de mais de 15 bilhões é distribuído para mais de 100 mil famílias cooperadas que compram, constroem, investem, contratam nas cidades onde vivem e por isso o IDH de Chapecó é de 0.84. Onde o cooperativismo se estabelece com sucesso o índice de desenvolvimento humano é muito maior.

Corrigir os desvios sociais por meio do econômico, humanizar a economia fixando a riqueza nas pessoas e fazer essa riqueza circular sem acumulações exorbitantes são funções do cooperativismo. Cooperativas podem se estabelecer na redução dos excessos de intermediação levando o fluxo de riquezas para consumidores, trabalhadores ou fornecedores, na razão direta de sua função econômica e não do capital detido, sejam pessoas físicas ou, excepcionalmente, jurídicas.

Vale conhecer mais o cooperativismo e se você já é cooperado, vale entender cada vez mais como sua escolha pode construir um mundo com menos desigualdade e mais oportunidades para todos.

Abdul Nasser é Superintendente do Sistema OCB/RJ, advogado especialista em Cooperativismo e sócio do Schuch Advogados.