As cooperativas de plataformas apresentam respostas para a precarização do trabalho digital gerada pelos aplicativos de mobilidade urbana. Esse é o ponto de vista de Fernando Lucindo, advogado especializado em cooperativismo, diretor jurídico na Liga Coop e embaixador do RadarCoop.
Em um artigo que escreveu para o blog do RadarCoop, Lucindo discorreu sobre as transformações que estão ocorrendo nas lógicas do trabalho, apontou as contradições da economia digital e condenou as falsas promessas de autonomia e empreendedorismo que os aplicativos prometem aos motoristas.
A inovação tecnológica é impressionante, Lucindo reconhece. Com isso, muita gente acreditou no discurso de que os motoristas dos aplicativos de mobilidade urbana atuam em uma espécie de negócio próprio. Mas na prática as coisas não são bem assim.
Nova era na mobilidade urbana
“Com a entrada da Uber no mercado nacional, em 2014, testemunhamos a reinvenção do transporte urbano”, explica o advogado. As plataformas levaram a tecnologia à mobilidade urbana. Assim, muita gente adotou os aplicativos em detrimento de carros particulares.
Nesse processo, alguns concorrentes surgiram e até ganharam um bom espaço no mercado, mas sem ameaçar o grande líder no segmento. Por outro lado, milhares de trabalhadores enxergaram os aplicativos como fonte de renda. “Muitas pessoas, sem outra alternativa, passaram a depender da utilização da plataforma para manter seu próprio sustento e de sua família”, escreve Lucindo.
Surgiu, então, a nova categoria de motoristas de aplicativo. Só que as promessas de autonomia, ganho fácil e aproveitamento financeiro do próprio tempo não se concretizaram. O efeito, na verdade, foi o oposto.
“Os motoristas de aplicativo tornaram-se cada vez mais dependentes das plataformas, submetidos a termos e condições inegociáveis”. Consequentemente, os trabalhadores ficaram, de certa forma, reféns dos aplicativos de mobilidade urbana e suas regras que podem mudar a qualquer momento.
“A triste lembrança das precárias condições humanas e sociais da Revolução Industrial nos séculos XIII e XIX parece se repetir no início do século XXI”, alerta Lucindo.
Problemáticas sociais na nova mobilidade urbana
Contudo, as mesmas tecnologias que proporcionam esse cenário de precarização do trabalho digital nas plataformas de mobilidade urbana também podem ser usadas para o bem. Os motoristas estão se reunindo em grupos online, criando associações e dando visibilidade a representantes da nova classe.
Porém, reivindicar direitos e melhores condições de trabalho não é uma tarefa fácil. Lucindo compara as plataformas de mobilidade urbana com traficantes que fornecem um entorpecimento ilusório aos motoristas. Diante disso, é difícil conseguir largar as promessas de autonomia e ganhos financeiros.
“E eles já estão dependentes. É dali que vêm as viagens e corridas. E essas corridas são o dinheiro para sustento básico, para sua alimentação, o leite e, talvez, a carne”, explica Lucindo. “O motorista de aplicativo está tão preso a esse sistema da plataforma, que o temor em ser banido é uma angústia constante. A possibilidade de deixar de usar o aplicativo está fora de cogitação”.
Dessa maneira, ele identifica três camadas na precarização e exploração dos motoristas de mobilidade urbana:
- O problema é nacional: “Temos uma grande quantidade de trabalhadores dependentes, em sua maioria, de um único aplicativo”.
- O problema é social: “Milhares de trabalhadores não conseguem se desvencilhar do ‘sinal’ dado pelo aplicativo, quando a programação lhes oferece uma corrida”.
- O problema é econômico: “Bilhões e bilhões de reais são faturados por essas grandes corporações e enviados para instituições financeiras fora do país”.
Cooperativismo ao resgate por uma mobilidade urbana mais justa
Mesmo com esse cenário problemático, há um antídoto: o cooperativismo. Com o modelo cooperativista, os motoristas se tornam donos e participantes ativos das plataformas. Isso resulta em autonomia, remuneração digna e segurança.
“Atualmente em nova roupagem, como no Cooperativismo de Plataforma, o modelo congrega os mesmos valores e princípios tradicionais do modelo na contemporaneidade”, aponta o articulista.
É nesse contexto que surgem as cooperativas de mobilidade urbana, que abrem caminho em uma sociedade que começa a buscar uma economia mais solidária. O apoio das comunidades e do poder público se faz essencial no processo de consolidação do cooperativismo de mobilidade urbana.
“É preciso entender o cooperativismo não só como um empreendimento, mas também como um negócio social comprometido com pessoas e comunidades. Somente assim, superando o fantasma da ignorância e do desconhecimento, a alternativa mais viável (talvez única) para os problemas sociais, econômicos e humanitários causados pelas grandes corporações serão resolvidos — ou, na pior das hipóteses, amenizados”.
Liga Coop protagoniza essa nova era
A maior expoente brasileira desse movimento é a Federação Nacional das Cooperativas de Mobilidade Urbana, mas conhecida como Liga Coop. Fernando Lucindo é diretor jurídico da entidade, que nasceu como iniciativa da Comobi, a Cooperativa de Mobilidade Urbana de Caxias do Sul-RS.
“O objetivo inicial e principal da federação é disponibilizar e operacionalizar uma plataforma tecnológica – ou seja, o aplicativo – com amplitude nacional”. Para isso, cooperativas de vários lugares do Brasil estão aderindo à Liga Coop, dando escala ao aplicativo.
“Se um usuário do aplicativo morador de Gramado/RS for para Imperatriz/MA, poderá solicitar suas corridas utilizando o mesmo aplicativo”. Através da Federação, portanto, as cooperativas ganham força estratégica, de escala, empoderando e beneficiando os cooperados.
A criação da Liga Coop representa um avanço significativo para o amadurecimento do cooperativismo de plataforma no Brasil. Lucindo conclui seu artigo em tom otimista: “Que venham as cooperativas e, junto com elas, o fim da precarização e da exploração dos motoristas de aplicativo!”
Fonte: Coonecta me